Pela segunda vez, a cidade de Ponte Nova, na Zona da Mata, em Minas Gerais, foi palco de Romaria das Águas e da Terra. A primeira vez foi em 1999, com o tema “Terra e Águas Livres. Este sonho não pode ser inundado”. Romaria que fortaleceu a luta contra a construção de barragens que ameaçam milhares de famílias. Próximo a Ponte Nova, em Guaraciaba, a Comunidade Casa Nova lutou bravamente por vários anos e impediu a multinacional Fiat de construir uma barragem no Rio Piranga, afluente do Rio Doce. Dezenove anos depois, dia 03 de junho de 2018, Ponte Nova acolheu a 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, que dia 05 de novembro de 2015 foi sacrificado no altar do ídolo capital das mineradoras e do Estado vassalo do mercado endeusado. Pela 2ª vez o Rio Piranga, que irriga e embeleza a cidade de Ponte Nova foi abraçado por milhares de romeiras e romeiros da mãe terra e da irmã água. Participar do abraço ao Rio Piranga, entre duas pontes, foi emocionante e inspirador.
Com o tema “Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum”, e o lema “Cuidando da terra e plantando água, com justiça e soberania popular”, mais de 5 mil pessoas demonstraram profunda indignação e ira profética diante do crime/tragédia anunciado e planejado, que assolou com um tsunami de lama tóxica todo o vilarejo de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, matando 20 pessoas imediatamente e seguiu massacrando toda a fauna do leito do Rio Doce até sua foz no Oceano Atlântico em Linhares, no Espírito Santo.
Durante a caminhada de vários quilômetros, muitas denúncias foram feitas. Um grande cruzeiro foi fincado ao lado do Rio Piranga em Ponte Nova. Marcará por muito tempo a realização da 3ª Romaria. Mudas foram plantadas. Músicas das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais Sociais e dos Movimentos Populares fizeram circular entre a grande multidão uma mística libertadora. “Salve, salve a caminhada! Salve a romaria! Em busca da nova aurora, de um novo dia! …”. “Romaria da terra faz o povo reunir. Numa luta sem guerra, nós lutaremos por ti...”. “Animados pela fé e bem certos da vitória, vamos fincar nosso pé e fazer a nossa história. E fazer a nossa história. E fazer a nossa história animados pela fé …”No início da 3ª Romaria, um café comunitário, gratuito, delicioso foi servido às romeiras e aos romeiros. No final da 3ª Romaria, um almoço coletivo foi oferecido. Até bolo foi distribuído gratuitamente ao longo da caminhada. Na caminhada houve o encontro das imagens de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora Aparecida. Militantes populares do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAB) e atingidos diretamente pela lama tóxica das mineradoras VALE/BHP/SAMARCO e do Estado denunciaram com veemência a impunidade do maior crime ambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo. “Mineradoras sem rótulo”, a Fundação Renova não engana ninguém, está nua e não consegue esconder seu cinismo e hipocrisia. Causa nojo a enrolação com que trata os atingidos.
Na missa de conclusão da 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, como cereja do bolo, fomos agraciados por uma homilia profética de Dom Geraldo Lírio, arcebispo emérito de Mariana. Disse Dom Geraldo: “Somos devedores aos povos indígenas e quilombolas por uma triste história de dominação dos brancos”. Ele denunciou “as políticas econômicas predatórias que destroem a natureza e violenta a dignidade humana”. Encorajou todos/as os/as presentes: “Não podemos silenciar diante de governos e de órgãos públicos que se omitem em fiscalizar os grandes empreendimentos minerários. Mais uma vez denunciamos o desrespeito aos direitos dos atingidos pelo crime que sacrificou o Rio Doce. A tragédia do rompimento da barragem de Fundão mostrou a vulnerabilidade da legislação ambiental”.
Em tempo: Na abertura do IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA), em Belo Horizonte, de 31/5 a 03/6, nossos parentes indígenas, destemidos e aguerridos na luta em defesa da mãe terra e de toda a natureza gritaram com intrepidez: “Fora mineradoras!” e alertaram que se as grandes mineradoras não forem barradas, em breve o estado de Minas Gerais será terra completamente arrasada, sem água para garantir a vida. A peça de teatro LAMA, que está sendo apresentada no Cine Galpão, em Belo Horizonte, está ecoando o grito necessário das famílias massacradas pelo crime das mineradoras e do Estado.
Belo Horizonte, MG, 05/6/2018.
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas. E-mail: gilvanderlm@gmail.com– www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
Segue, abaixo, a Carta-compromisso lida e distribuída a todos os presentes ao final da 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce.
CARTA-COMPROMISSO DE PONTE NOVA: 3ª ROMARIA DAS ÁGUAS E DA TERRA DA BACIA DO RIO DOCE
“Felizes os que têm fome e sede justiça, porque serão saciados” (cf. Mateus 5,6)
Movidos pela fé e pelo compromisso com a luta pela justiça, pelos direitos humanos e socioambientais, realizamos, em Ponte Nova, no dia 3 de junho de 2018, a 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce.
Motivados pelo tema “Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum” e pelo lema “Cuidando da terra e plantando água, com justiça e soberania popular”, acolhidos, fraternalmente, por Ponte Nova, somamos milhares de romeiras e romeiros vindos das dioceses mineiras de Mariana, Caratinga, Itabira/Coronel Fabriciano, Governador Valadares e Guanhães e das dioceses capixabas de Vitória, Colatina e São Mateus, trazendo nossas lutas e nossas esperanças.
Solidários com os atingidos/as ao longo de toda a Bacia do Rio Doce, pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, denunciamos:
Reafirmamos nosso compromisso de:
Renovamos, nessa 3ª Romaria, em face da missão que Deus nos confia de sermos cuidadores dos bens da natureza, nosso empenho pela regeneração da Bacia do Rio Doce, diante de tudo o que ela significa para as populações de Minas Gerais e do Espírito Santo, com um clamor esperançoso e profético em defesa dos direitos na promoção da vida digna para todos e por uma relação radicalmente nova com a natureza, onde a vida e o bem viver estejam acima de interesses comerciais, e haja justiça, solidariedade e paz.
A Nossa Senhora da Assunção e São José, padroeiros da Arquidiocese de Mariana que acolhe esta 3ª Romaria, confiamos proteção às iniciativas em vista de um futuro promissor para a Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum, para que todos, a começar dos atingidos, tenham vida e vida em abundância (cf. Jão 10,10).
Ponte Nova, MG, 3 de junho de 2018.
Fonte:Portal da Cebs