1 – JESUS MISSIONÁRIO DO PAI. NÓS MISSIONÁRIOS DE JESUS
Jesus não caiu do céu, vindo de outro planeta. Acreditamos que ele veio de Deus, enviado pelo Pai para realizar uma missão, designando-se como “aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo” (Jo 10,36). Jesus, desde a sua concepção, é ungido pelo Espírito Santo para realizar em união com Ele, a missão que Deus Pai lhe confiou: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para que dê a boa notícia aos pobres…” (Lc 4,18ss). Jesus declara-se ungido pelo Espírito. Essa boa notícia proclamada por Jesus inclui a libertação de toda e qualquer espécie de opressão: física, os cegos, os surdos, os mudos; econômica, os pobres; política, os cativos.
O fato de ser o Filho de Deus não fez dele um estrangeiro, alheio à vida dos homens e das mulheres do seu tempo. Jesus nasceu pobre, viveu no meio do povo, trabalhador igual a outros trabalhadores: “Trabalhou com mãos humanas” (GS, 22). Assim Jesus mostra que conhece perfeitamente a situação econômica do povo da Galiléia, por fazer parte também ele da classe trabalhadora e explorada (Mt 18,23-24).
Ele propôs aos homens de se amar como irmãos por serem todos filhos e filhas do mesmo Pai. Alguns o seguiram, outros se colocaram contra e o crucificaram. Mas desde aquela época, há milhões e milhões de pessoas que acreditam que ele ressuscitou e o testemunham com a própria vida, anunciando que está vivo e presente no meio de nós, pois a morte não foi o fim de sua história. Os discípulos começaram a falar dele, anunciando que estava vivo. Mais ainda: que estava no meio deles e que era o que dava sentido à vida de todos os homens e de todas as mulheres.
O mais significativo foi que os seus seguidores davam a vida por aquele que pregavam. Esforçavam-se por reproduzir na sua vida, a vida daquele que seguiam. A vida dessas pessoas era a continuação da vida do seu Mestre. Afirmam que não se trata somente de uma imitação, mas que Ele vive e se reproduz neles. Daí por diante o mundo não pôde prescindir daquele Galileu chamado Jesus. Ou a favor ou contra…
O projeto de Jesus foi o de reconciliar a humanidade com o Pai, estabelecer a fraternidade no mundo,congregando homens e mulheres numa só família. Por isso os preconceitos e as desigualdades nãocorrespondem ao plano do Pai a respeito da humanidade, plano que Jesus assumiu no seu projeto de vida.
concretas, aquelas que inspiravam compaixão. Jesus não foi pobre por força das circunstâncias, mas por
opção livre. Os nossos pobres suportam o flagelo da pobreza por força do egoísmo explorador de pessoas e estruturas. Jesus optou pela condição dos pobres, vítimas do egoísmo humano. Solidarizou-se com aqueles que carregam as conseqüências do egoísmo e ganância dos homens.
Se existem excluídos é porque há homens que não querem partilhar, que consideram os recursos da natureza e o trabalho de seus irmãos como sua posse pessoal, que recusam pôr seus bens a serviço do bem comum, que contemplam sem remorso na alma as feições de sofrimento, as lágrimas, as angústias, as inseguranças e os barracos daqueles que os servem: numa palavra, é porque o pecado corrompeu o coração dessas pessoas.
As fisionomias de dor dos pobres são como a expressão da própria dor de Deus face à frustração de seu plano de amor no mundo. Por isso a Escritura não se cansa de repetir pela boca dos enviados de Deus: “Ouvi meus caríssimos irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do reino prometido por Deus aos que o amam? Mas vós desprezastes o pobre. Não são porventura os ricos os que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? Não blasfemam eles o belo nome que trazeis?” (Tg 2,5-7).
Assim fica mais compreensível porque a opção preferencial pelos pobres faz parte do nosso anúncio evangélico, pois conhecemos “a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico, por nós se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza” (2Cor 8,9).
Jesus, pela encarnação, assume a condição humana para fazer da história, uma história de salvação, sendo ele o exemplo e o guia. Pela humanidade de Jesus, Deus entra na nossa humanidade e pela humanidade de Jesus nós temos acesso à divindade de Deus. Nossa fé proclama que “Jesus Cristo é rosto humano de Deus e o rosto divino do homem”1.
Pela encarnação Jesus se identifica com aqueles que ama:
– Existem muitos pobres necessitados: Jesus se identifica com eles, nascendo, vivendo e morrendo na pobreza.
– A grande maioria dos homens passa a vida no anonimato: Jesus passa 30 anos oculto em Nazaré, lugarejo sem nome.
– Os homens ganham o pão com o suor do seu rosto: Jesus dignifica e santifica o trabalho na carpintaria de José.
– Existem homens que são perseguidos e Jesus os ama. Por isso identifica-se com eles, sofrendo
perseguições, atentados… tendo que fugir muitas vezes…
– Existem homens torturados: Jesus foi torturado por questão de sinceridade no amor…
– Os homens dão muita importância aos privilégios que os colocam em evidência: Jesus nunca fez milagres para ganhar fama pessoal. Sujeitou-se à lei, mesmo quando poderia escapar dela; fez-se batizar como se fora pecador penitente.
– Identificou-se e solidarizou-se com os pobres para mostrar aos homens o quanto é duro ser pobre.
– A lei da morte é universal e é a que mais pesa sobre os homens: Jesus quis morrer igual àqueles que têm a morte mais horrível e desumana: morte de cruz.
Somente a loucura do amor poderia levar seu compromisso com os homens até este ponto. Quis
livremente ser escravo para libertar-nos. Quem é livre liberta, quem é escravo escraviza. Quem é justo justifica e quem é injusto pratica a injustiça. Cada qual se prolonga em suas obras e nelas se comunica e revela. A árvore boa só pode dar bons frutos. Jesus é a única árvore boa. Toda a bondade deste mundo, que é muita, é fruto da única árvore verdadeiramente boa que é Jesus.
Na maneira como Jesus viveu e assumiu sua vida humana, os homens encontram sua identidade, aquilo que querem ser e a que são chamados. Ele é vocação de todo homem. Só nele há salvação e libertação.
Identidade de idéias, critérios, interesses, valores entre cristãos e Jesus, manifestam a vida nova. A vida nova manifesta-se também nas relações humanas, idênticas às de Jesus: francas, livres, fraternas e justas.
Dentro de todo o processo de descoberta e adesão a Jesus, que dura a vida toda, deverão aparecer cada vez mais nítidos os traços de Jesus na personalidade do cristão: caridade, paz, justiça, fraternidade, verdade, humildade, desprendimento, serviço e abnegação. O cristão torna-se cada vez mais como Jesus na medida em que se torna mais comunitário e profeta, a exemplo de Jesus.
A conversão que Jesus prega não consiste apenas em fazer penitência, mudar a conduta para se salvar e escapar da condenação. É conversão quando transforma o modo de pensar e agira da pessoa: os que atuam na história são os que devem construir o Reino de Deus.
Jesus conta a parábola do joio semeado no meio do trigo. Ele diz àqueles que têm pressa de arrancar o joio: “Tirando o joio vocês poderiam tirar o trigo também; deixem um e outro crescerem juntos, até a colheita” (Mt 13,24-30).
Os judeus diziam: “Não se pode comer sem lavar as mãos” (Mt 15,2). Jesus responde: “É sujo, não o que entra no coração, mas, sim, o que sai do coração” (Mt 15,11). Os leprosos eram excluídos da sociedade por serem contagiosos e portanto impuros. Os doentes mentais, por serem, diziam, possuídos por um demônio (Lc 17,12).
– Jesus cura leprosos e os manda receber um atestado de saúde dos Sacerdotes: desta forma eles
voltavam à vida normal (Lc 17,14). As mulheres eram excluídas da vida social, sendo tratadas como inferiores (Mt 14,21). Elas não tinham direito de ser testemunhas nos tribunais.
– Jesus se faz acompanhar por um grupo de mulheres, dando-lhes um papel social, o que não deixava de estranhar (Lc 8,1-3). As mulheres foram as primeiras testemunhas da sua Ressurreição (Mc 16,1-18). As crianças eram excluídas, apesar de serem consideradas como uma bênção de Deus, não eram tratadas como gente (Mt 15,38).
– Jesus diz: “Quem não se tornar como essas crianças não entrará no Reino de Deus” (Mc 10,13-16). Os Samaritanos eram excluídos e desprezados pelos judeus por serem considerados impuros (Lc 9,52).
– Jesus é recebido pelos samaritanos, conversa com uma mulher Samaritana. Coloca os samaritanos como exemplo de Amor, em diversas parábolas (Lc 10,33). Jesus escolheu para ser Apóstolo um desses “pecadores”: Mateus. Mais: Ele senta-se à mesa com “publicanos” e “pecadores” (Mt 9,10).
Para os Escribas e Fariseus, o pecado consistia em desrespeitar os preceitos que visavam a se proteger das impurezas exteriores (Mt 23,28). O pecado é a transgressão da Lei. Para Jesus, o pecado está dentro da pessoa: o que a gente diz (Mt 15,18) e o que a gente faz contra o próximo (Mt 15,19). O pecado do mundo é um conjunto de forças do mal que Jesus enfrenta: a mentira organizada, a cegueira das pessoas, o ódio generalizado, a vontade de dominação… O pecado é uma recusa de amor. É uma recusa de Deus.
A morte de Jesus é uma conseqüência histórica do tipo de vida assumido por ele. A sua extraordinária pretensão de anunciar e implantar o Reino de Deus não deu certo. Acabou preso, torturado e na morte de cruz. Entretanto nós sabemos, mediante a fé, que o fim não foi o fracasso da morte na cruz, mas a vitória da vida na ressurreição.
A pregação de Jesus se apresenta como uma forte ameaça ao sistema religioso e social predominante entre os judeus.
Primeiro, Jesus foi acusado de blasfemo. Mediante a Escritura sabemos que esta foi a acusação do Sinédrio e o motivo pelo qual foi condenado: “O Sumo Sacerdote, rasgando as vestes, diz: ‘Que necessidade temos de testemunhas? Ouvistes a blasfêmia. Que vos parece?’ Todos sentenciaram que era réu de morte” (Mc 14,63-64).
Segundo Marcos, a acusação de blasfemo vinha de longe. Surge já no início de sua vida de pregador: “Por que está falando assim? Ele blasfema! Quem pode perdoar pecados a não ser o Deus único? (Mc 2,7).
Do ponto de vista dos adversários de Jesus, esta acusação torna-se compreensível. O Deus anunciado por Jesus é muito diferente do Deus dos escribas e fariseus: de um lado, temos o Deus da misericórdia e do perdão, o Deus que escolhe os marginalizados para fazer parte do Reino e rejeita os que se consideravam “puros” e “piedosos”; do outro lado, o Deus da exploração e da dominação, o Deus que sacraliza estruturas e situações injustas. Conclusão de seus inimigos: Jesus é um blasfemo e como tal deve ser morto! Jesus também foi acusado de agitador político. Esta acusação era indispensável para obter-se a condenação por parte do poder romano. Pilatos lhes diz: “Vós me trouxestes este homem alegando que agita o povo” (Lc 23,14). A inscrição colocada no alto da cruz de Jesus dizia claramente: “Este é Jesus, rei dos judeus” (Mt 27,37). Esta foi a causa civil que justificou a execução capital. Apesar dessa acusação sabemos que Jesus não pregou uma revolução armada contra a ocupação romana.
Contudo, as suas atitudes e suas palavras tinham uma forte conotação sócio-transformadora. Seus inimigos perceberam muito bem que seus privilégios estavam ameaçados com a pregação daquele Galileu. Conclusão: ele deve morrer!
A pregação cristã começou com o anúncio da cruz. Assim o entendeu São Pedro na manhã de pentecostes. Ele entendeu que tinha de anunciar o nome de Jesus. Mas o que diria dele? Por onde começar?
Pedro, subindo as escadarias do templo, onde tantas vezes o Mestre havia pregado, pronunciou o primeiro anúncio pascal da história: “Israelitas… Vós negastes o Santo e o Justo e pedistes que vos concedesse a anistia de um assassino. Matastes o Autor da vida, que Deus ressuscitou dos mortos. Disso nós somos testemunhas” (At 3).
Esta passagem do livro dos Atos dos Apóstolos é o compêndio de toda a fé cristã. Porém, como
anunciá-la hoje a um mundo ao qual nada repugna tanto como a cruz? Como explicá-la a uma civilização que identifica a felicidade com o prazer e a grandeza com o poder e a violência? Se a cruz sempre foi um escândalo, não o será hoje mais do que nunca? Moltmann colocou no centro da teologia contemporânea – como uma bandeira – a mais radical das perguntas: “Que significa a recordação do Deus crucificado numa sociedade oficialmente otimista que caminha sobre um montão de cadáveres”?
Uma coisa é certa: nunca em sua história o mundo viveu tão intensamente este paradoxo: vivemos rodeados de sofrimento e de morte e julgamos ser felizes.
A presença do mal, como força destruidora, está presente em todas as cruzes que são impostas sobre os ombros de tantos homens e mulheres de nossos dias.
Todos carregamos algum tipo de cruz nas costas ou no coração. Jesus assumiu a cruz para que nós não caíssemos na iniqüidade de crucificar nosso próximo. Apesar disso, há milhões de crucificados que estão pendurados em algum tipo de cruz. Podemos nos perguntar: quais são as cruzes dos nossos irmãos e irmãs gaúchos? Desemprego, salários de fome, discriminação, doenças, racismo, violência, miséria e todas as formas de exclusão social, entre outras tantas.
Este é, efetivamente, o único problema: ou a Igreja e os cristãos redescobrem que são Igreja da cruz e seguidores do Crucificado ou deixam de ser Igreja de Cristo e cristãos. Todos os demais problemas são menores. A pergunta decisiva que cada um de nós deve responder é esta: Que significam para mim e para o mundo a cruz e o crucificado?
A grande tentação dos cristãos de hoje é esta: como o mundo moderno não digere a cruz, façamos-lhe um Cristo que lhe seja conveniente. Demos-lhe um Mestre que seja cômodo, mesmo que tenhamos de despojá-lo de tudo o que o caracteriza. Ofereçamos uma fé que seja digerível.
Um grande autor espiritual, Fulton Sheen, falava daqueles que aderem a uma cruz sem Cristo, em oposição aos que parecem querer um Cristo sem cruz. Entretanto o cristão sabe que o Redentor do homem é um Cristo na cruz e, portanto, só é redentora a cruz com o Cristo! Se chegamos a um tempo em que a cruz já não escandaliza é porque já não significa nada. Neste ponto Moltmann tem razão: “Até os discípulos de Jesus fugiram todos da cruz de seu Mestre. Os cristãos que não têm a sensação de ter que fugir do Crucificado, é porque ainda não o compreenderam com suficiente radicalidade”.
Em virtude do batismo que recebemos, fomos credenciados pelo próprio Jesus a continuar a sua missão, pois ele disse: “Como o Pai me enviou, eu vos envio” (Jo 20,21). O discípulo e missionário deve ser evangelizado, para ser evangélico e poder evangelizar. O evangelho nos revela um Deus que movido de compaixão se faz próximo daqueles que mais sofrem. O Deus revelado por Jesus é solidário com o sofrimento de cada pessoa humana. Ele vence o mal não com discursos dirigidos aos que sofrem, mas assumindo-o com todas as conseqüências. A boa nova do Reino anunciada por Jesus deve nos interpelar diante do sofrimento do próximo, vendo “no rosto de cada homem, especialmente quando suas lágrimas e dores o tornam transparente, podemos e devemos reconhecer o rosto de Cristo”, como recordava Paulo VI.
Diante da situação de sofrimento do nosso povo devemos voltar à parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10,29-37). A resposta ao chamado de Jesus de sermos continuadores de sua missão exige que entremos na dinâmica do Bom Samaritano donde brota o imperativo de nos fazer próximos, especialmente de quem sofre e gerar uma sociedade sem excluídos. Como diz o Documento de Aparecida: “Esta é a tarefa essencial da evangelização, que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana e a autêntica libertação cristã”.
Certamente a primeira, a mais evangélica atitude do evangelizador, será a misericórdia do Samaritano. A Igreja, qual samaritana, está chamada a reproduzir as palavras e gestos de Jesus, ouvindo o clamor dos que estão caídos à beira da estrada, como Jesus ouviu o brado do mendigo cego Bartimeu (cf. Mc 10,46). A exemplo de Jesus, a Igreja do Rio Grande do Sul deve ser uma Igreja peregrina, inserida na história das pessoas e das nossas culturas, com tempo para parar junto delas e com ternura cuidar das suas feridas, sem hora marcada para o fim da viagem. Como disseram os Bispos em Aparecida: “O discípulo missionário há de ser um homem ou uma mulher que torna visível o amor misericordioso do Pai, especialmente para com os
pobres e pecadores”.
Aqui vale a pena recordar as palavras do papa João XXIII: “A Igreja católica, levantando por meio deste Concílio o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade com os filhos dela separados”. O Evangelho diz expressamente que Jesus “…comoveu-se de compaixão…” (Mt 9,36). Ele se identificava com a desgraça, não podia contemplar uma aflição sem se comover e seu estremecimento interior se refletia nas palavras e nos olhos: “Vendo Jesus esta numerosa multidão, moveu-se de compaixão para com ela, e curou seus doentes” (Mt 14,14). Diante desse exemplo de Jesus, concluímos que o “amor a Deus e o amor ao próximo se fundem entre si: no mais humilde encontramos o próprio Jesus e em Jesus encontramos Deus7. Convidados a partilhar a missão de Jesus, somos enviados a fazer o mesmo que Jesus fez, isto é, tornar presente os sinais do Reino, fazendo as opções que ele fez pelos últimos da sociedade, pelos marginalizados e abandonados, valorizando-os e reconhecendo a sua dignidade, pois “o Senhor nos pede que saibamos descobrir seu próprio rosto nos rostos sofridos dos irmãos”8.
Servir a Jesus Cristo nestes rostos desfigurados torna-se uma fonte de espiritualidade que alimenta a nossa prática pastoral. Com a alegria da fé, queremos ser missionários para proclamar a boa nova da dignidade humana, da vida, da família, do trabalho, da ciência e da solidariedade com a criação9. A razão pela qual Jesus veio ao mundo deve estar sempre presente na vida do discípulo e da discípula, do missionário e da missionária, como realizadores do projeto do Pai: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Concluo com as palavras do Documento de Aparecida:
“Fica conosco, Senhor, acompanha-nos, ainda que nem sempre tenhamos sabido reconhecer-te!
Fica conosco, porque ao redor de nós as sombras vão se tornando mais densas, e tu és a Luz; em nossos corações se insinua a desesperança, e tu os fazes arder com a certeza da Páscoa. Estamos cansados do caminho, mas tu nos confortas na fração do pão para anunciar a nossos irmãos e irmãs que na verdade tu ressuscitaste e que nos deste a missão de ser testemunhas de tua ressurreição “14.
Jesus, fortalece nossa fé, para que sejamos teus discípulos e missionários!
2 – IGREJA MISSIONÁRIA E A OPÇÃO PELOS POBRES
1.1 – Optar pelos pobre é denunciar as causas da miséria da opressão
É importante verificar como Jesus viveu sua relação com os pobres. Antes de tudo, Jesus lutou contra as instituições, as pessoas, os mecanismos estruturais que exploravam, oprimiam e marginalizavam os pobres: “Ai de vocês, os ricos… Ai de vocês que agora têm fartura…” (Lc 6,24-25). Ainda: “Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver sua vida. As coisas que você acumulou, para quem vão ficar?” (Lc 12,20). Jesus desmascarou a estrutura iníqua do Templo: “Tirem isso daqui! Não transformem a casa de meu Pai num mercado” (Jo 2,16). Denunciou a maldade do Império Romano que havia feito do povo uma mercadoria. Reivindicou a dignidade das pessoas, feitas a semelhança de Deus: “Dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Lc 20,25). Santo Agostinho, que viveu no quarto século depois de Jesus, e que conhecia bem a estrutura do Império Romano, chegou a defini-lo “uma grande empresa de roubo” (em latim: magnumlatrocinium).
Jesus recuperou, atualizou e radicalizou a coragem e a verdade dos profetas de Deus do Antigo Testamento. Ele agiu e falou movido por um grande amor às pessoas. Jesus queria, para todas as pessoas, a realização plena do sentido verdadeiro da vida, e isso é possível somente rompendo com todo tipo de mal que oprime e explora.
Não se pode ser seguidor/ a de Jesus, compactuando, ao mesmo tempo, com a mentira, a corrupção, a exploração, a opressão: “Uma Igreja que não se compromete com os pobres, que não denuncia as causas da pobreza, as injustiças, não é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo” (Mons. Oscar Romero, homilia 17/02/1980).
1.2 -Optar pelos pobres é ser solidário com os pobres.
“Ao sair da barca, Jesus viu grande multidão. Teve compaixão deles, e curou os que estavam doentes” (Mt 14,14). Solidariedade, ternura, compaixão são atitudes permanentes na vida de Jesus. Também quando ele manifestava toda a sua indignação diante de situações injustas e absurdas, percebe-se, por trás, misericórdia e solidariedade com as pessoas mais desamparadas; nunca foi movido pelo ódio ou pela destruição dos outros. Ao contar a parábola do bom samaritano (Lc 10, 30-37), Jesus aponta o caminho da solidariedade para toda e qualquer pessoa: “Vá, e faça a mesma coisa” (Lc 10,37). Optar pelos pobres não é somente denunciar as injustiças, as desigualdades. Exige mais, pede solidariedade: “O cristão que não quer viver o compromisso de solidariedade com o pobre, não é digno de se chamar cristão” (Oscar Romero, homilia 17/02/1980). O papa Bento XVI lembrou isso no seu discurso inaugural, citando uma frase da sua primeira carta encíclica (Deus é amor): “Amor a Deus e amor ao próximo se fundem entre si: no mais humilde encontramos o próprio Jesus e em Jesus encontramos Deus” (discurso inaugural, 3).
A solidariedade com os pobres leva a experimentar a mesma situação dos pobres, sobretudo em regimes ditatoriais: “É por isso que a Igreja sofre o mesmo destino dos pobres: a perseguição. É uma glória para a nossa Igreja ter misturado o sangue de sacerdotes, de catequistas, de comunidades com os massacres do nosso povo” (Mons. Oscar Romero, homilia 17/02/1980).
Os bispos reunidos em Aparecida, diante dos perigos da globalização dominante, propõem uma globalização diferente: “Sentimos forte chamado para promover uma globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito aos direitos humanos, fazendo da América Latina e do Caribe não só o Continente da esperança, mas também o Continente do amor” (DA 64). Mais adiante eles insistem: “De nossa fé em Cristo nasce também a solidariedade. Ela há de se manifestar em opções e gestos visíveis, principalmente na defesa da vida e dos direitos dos mais vulneráveis e excluídos, e no permanente acompanhamento em seus esforços por serem sujeitos de mudança e de transformação de sua situação” (DA 394).
1.3 -Optar pelos pobres é viver uma existência pobre
Reparando bem, o que mais caracteriza a pessoa de Jesus não foi ter denunciado o mal que oprime e ter se solidarizado com os pobres. Típico de Jesus foi ter vivido uma existência pobre, como os pobres da sua época. Há pessoas que lutam em favor dos pobres, mas sem viver uma vida pobre. Jesus agiu de outra maneira; ele escolheu viver a sua existência humana à maneira dos pobres da sua época, desde o nascimento. A manjedoura não é nenhuma poesia romântica, era o lugar comum onde costumavam nascer as crianças dos casais pobres da Galiléia.
Antes de tornar publica a sua missão, Jesus viveu uma vida pobre, absolutamente comum aos pobres da Galiléia. Uma vida ‘insignificante’ aos olhos dos mesmos pobres: “De Nazaré pode sair coisa boa?”, respondeu Natanael ao amigo Filipe, encantado pelo encontro tido com Jesus de Nazaré (Jo 1,46).
Os mesmos moradores de Nazaré, por serem pobres, não confiavam em si mesmos: “Onde foi que Jesus arranjou tanta sabedoria? Ele não é o carpinteiro, o filho de Maria?” (Mc 6,2-3). Quando Jesus tornou pública a sua missão na sinagoga de Nazaré, os que estavam presentes tumultuaram o culto, dizendo: “Este não é o filho de José?” (Lc 4,22). Os chefes dos sacerdotes e os fariseus, em outra oportunidade, foram mais irônicos e fechados: “Vocês já viram um só dos nossos chefes ou fariseu que acreditasse nele? Esse povinho, que não conhece a Lei, é maldito”. E desprezaram Nicodemos, que os havia questionado: “Você também é galiléu? Estude e verá que da Galiléia não sai profeta” (Jo 7,48-52).
O Jesus de Nazaré que Paulo experimentou, viveu, e propôs às suas comunidades é o que aparece na sua carta aos filipenses: “Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo, e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fl 2,6-8).
Viver uma vida simples, sóbria, é o que deve caracterizar todo discípulo (a) de Jesus, sobretudo para os que exercem serviços de autoridade e de responsabilidade especial. É uma vida sem títulos, sem mordomias, sem consumismos, sem medalhões. É um estilo de vida que enche de alegria, de paz interior: “Considero tudo uma perda, diante do bem superior que é o conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo” (Fl 3,8). E ‘conhecer’ para o povo da Bíblia significava experimentar, seguir os mesmos passos, nada de aprender fórmulas, só.
Multidões de pessoas, ao longo dos séculos, deram testemunho de vida pobre e sóbria, revelando o verdadeiro rosto da Igreja. Anotamos aqui somente dois exemplos. AntonioChevrier era um jovem padre da diocese de Lyon, na França. Naquela região, e naquela época, fervilhava um grande desenvolvimento industrial, mas às custas de uma classe trabalhadora explorada e oprimida. Na noite de Natal de 1856, contemplando o presépio, o pe.Chevrier tomou a decisão de viver uma existência pobre e de se dedicar totalmente à evangelização dos pobres. Ao redor dele surgiu uma associação de padres, chamada Prado, para a mesma finalidade. Esta associação continua viva, inclusive no Brasil.
Em outubro de 1886, o brilhante jovem francês, Carlos de Foucauld, converteu-se, para valer, ao seguimento de Jesus. Isso significou para ele optar por uma vida pobre radical, ao estilo de Jesus de Nazaré. Hoje um número grande de pessoas busca seguir seu exemplo.
Ao visitar a ‘casita’ onde viveu Mons. Oscar Romero, impressiona o ambiente simples, que testemunha a sua vida pobre, sóbria, desapegada, livre, frente às riquezas do mundo. A ‘casita’ era o anexo de um pequeno hospital, onde havia também uma capela. Era aí que Mons. Romero celebrava, quando não tinha outros compromissos. E foi nesta capela que ele foi assassinado, numa segunda feira, dia fixo da sua celebração na capela.
1.4. Optar pelos pobres é usar meios pobres.
Jesus não para de surpreender. Não somente ele viveu uma vida pobre, ele usou também meios pobres, e não os meios do poder. As tentações que Jesus sofreu, não eram para afastá-lo da missão e, sim, para usar, na missão, os meios do poder: as soluções mágicas, os milagres a toda hora, a ambição, a ganância, as riquezas, a força das armas, o dinheiro, o prestigio, a popularidade fácil (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; Mc 1,35-38; Mt 26,52-54). Parece até que o demônio, ao oferecer os meios do poder, quisesse ‘dar uma mão’ a Jesus, para que fosse reconhecido como filho de Deus. Jesus venceu as tentações do poder, recusou o uso dos meios do poder, com decisão impressionante. E foram tentações que sofreu ao longo de toda a sua existência: “Tendo esgotado todas as formas de tentação, o diabo se afastou de Jesus, para voltar no tempo oportuno” (Lc 4,13).
Lendo os evangelhos, vendo as necessidades do povo da época, contemplando a prática de Jesus, dá vontade de perguntar: Por que Jesus não organizou obras sociais para amenizar as necessidades do povo? Por que não formou cooperativas entre os pescadores do mar da Galiléia? Porque não lançou audaciosos projetos, tipo ‘fome zero’, em favor dos famintos? Aliás, o povo já queria proclamá-lo líder absoluto deste projeto (cfJo 6,14-15), mas Jesus não topou: “Se retirou sozinho, de novo, para a montanha” (Jo 6,15; importante anotar os detalhes: retirou-se,… sozinho…, de novo… para a montanha…).
Com muita probabilidade, Herodes teria ajudado Jesus na realização de projetos sociais, pois ele estava muito interessado em encontrá-lo (cf. Lc 9,9) e, quem sabe, introduzi-lo no seu restrito grupo de amigos. Afinal, Jesus havia se tornado um grande líder no meio do povo (Mt 14,34-36; Mc 2,12). O povo confiava nele, e todo poderoso, de todas as épocas, ambiciona ter líderes populares de prestigio, do seu lado. Jesus recusou o uso de meios poderosos, por quê?
É verdade que Jesus operou alguns milagres extraordinários, graças ao seu poder divino, mas esses não foram tantos. Os estudos bíblicos informam que a grande maioria dos ‘ditos’ milagres de Jesus foram acontecimentos normais, onde as pessoas, graças à presença fraterna e solidária de Jesus, adquiriam confiança em si mesmos, nos outros, fazendo coisas que antes nem imaginavam poder realizar. Coisas que causavam admiração (este é o sentido da palavra ‘milagre’que vem da antiga língua latina); esta admiração vale tanto para os fatos extraordinários como para os normais.
Jesus não se meteu em atividades sociais, não se substituiu à responsabilidade das pessoas: “Homem, quem foi que me encarregou de julgar ou dividir os bens entre vocês?” (Lc 12,14). Ele operou somente alguns ‘sinais’ extraordinários (curas, ressurreição), para revelar o amor preferencial de Deus pelos pobres, pelos mais necessitados; para devolver às pessoas a confiança nas próprias capacidades; para ajudar as pessoas a serem sujeitos históricos, criadores e transformadores. O que Jesus mais desejava e queria, ao realizar ‘sinais’, era que as pessoas agraciadas adquirissem coragem e confiança ao enfrentar os desafios da vida: “Levante-se, pegue a sua cama e vá para casa” (Mc 2,11).
Nunca Jesus operou ‘sinais’ para aumentar seu prestigio, para mostrar sua força, para dominar e controlar a consciência dos necessitados. Nunca foi atrás de aplausos, de palanques, de gritos, de salva de palmas, de “vivas”. Pelo contrário: “Tomem cuidado para que ninguém fique sabendo”, disse aos dois cegos curados (Mt 9,30). Em outro momento Jesus mandou logo embora um leproso curado, ameaçando-o severamente: “Não conte nada para ninguém!” (Mc 1,43-44). Quando ele via que as pessoas não estavam a fim de se tornarem sujeitos históricos, de assumirem seu papel transformador, aí ele se recusava a ‘fazer milagres’: “E Jesus não fez muitos milagres aí, por causa da falta de fé deles” (Mt 13,58; cf Mc 6,5-6).
Contemplemos Jesus de Nazaré ao longo das últimas e dramáticas horas de sua existência humana. Não foi nada fácil para Jesus, no momento mais crítico de sua existência terrena, no Getsêmani, ser fiel à vontade do Pai, renunciando aos meios do poder ou à fuga, que estavam ao seu alcance. Chegou até ‘suar sangue’ (Lc 22,44).
Podia se defender e partir para o ataque contra uma morte injusta e humilhante, mas não quis e nem fugiu. Aos seus seguidores que partiram para a violência, cortando a orelha de um funcionário do sumo sacerdote, Jesus foi firme: “Parem com isso. Guardem a espada na bainha. Pois todos os que usam a espada, pela espada morrerão. Ou vocês pensam que não poderia pedir socorro ao meu Pai? Ele me mandaria, logo, mais de doze legiões de anjos”. E Jesus, tocando a orelha do homem, o curou (Mt 26, 50-53; Mc 14,47; Lc 22,48-51; Jo 18,10-11. Sintetizados).
Jesus recusou, decididamente, o uso do poder, não colocou sua confiança nos meios poderosos (dinheiro, prestigio, força), por quê? Não fez isso por uma questão de renuncia, de ascese ou de desprezo, e, sim, por uma questão de eficácia. Sim, para Jesus os meios eficazes, capazes de gerar vida, comunhão e solidariedade, são os meios pobres, e não os meios do poder, aqueles que vêm de cima para baixo, para impor, para meter medo ou para abafar as potencialidades que estão dentro de cada pessoa. Somente os meios pobres, ao alcance do povo, são capazes de testemunhar e de provar que “um outro mundo é possível”.
O apóstolo Paulo, escrevendo às comunidades da região de Corinto, que estavam atravessando tensões internas difíceis, aponta o exemplo de Jesus: “Ele, embora fosse rico, se tornou pobre por causa de vocês, para com a sua pobreza enriquecer a vocês” (2Cor 8,9). É a pobreza de Jesus que enriquece, que cura males, não são os meios poderosos. Sim, a pobreza é um grande valor.
Um dos acontecimentos mais significativos e mais emocionantes do Concilio Vaticano II foi o compromisso que 40 bispos assumiram no dia 16 de novembro de 1965, poucos dias antes do encerramento do Concílio. Reunidos na catacumba de Santa Domitila, periferia de Roma, cada um deles comprometeu-se a viver pobre, a rejeitar todos os símbolos e os privilégios do poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. Entre os signatários havia vários bispos brasileiros e latino-americanos. Mais tarde outros bispos assinaram o mesmo compromisso. O acontecimento passou a ser chamado de “Pacto das Catacumbas”. As catacumbas eram lugares subterrâneos, onde se reuniam clandestinamente cristãos dos primeiros três séculos e onde muitos foram martirizados pelo todo-poderoso Império Romano. Foi esse Pacto que inspirou e orientou a Conferencia de Medellín (1968). E foi Medellín que deslanchou um extraordinário tempo profético e missionário na vida da Igreja Latino-americana.
Mons. Oscar Romero viveu intensamente o Pacto das Catacumbas, mesmo sem ter estado presente. Em suas homilias e em seu pastoreio ele manifestava toda a sua gratidão por viver numa Igreja pobre, usando meios pobres: “Agora a nossa Igreja não se apóia em nenhum poder, em nenhum dinheiro. Hoje a nossa Igreja é pobre. Sabe que os poderosos a recusam, porém, ela é amada pelos que põem em Deus sua confiança. Esta é a Igreja que eu quero. Uma Igreja que não conta com privilégios, uma Igreja cada vez mais desligada das coisas terrenas, para poder julgar com maior liberdade, na perspectiva do Evangelho, desde a sua pobreza” (Homilia 28/08/1977).
Há meios que são neutros em si, muito depende da finalidade do uso, como, por exemplo, uma emissora de rádio. Se ela está a serviço da dignidade, da verdade, da justiça, tudo bem. Os meios são como a estrutura ao serviço da orientação. O mais importante é a orientação; é essa que escolhe e dá sentido aos meios. Os meios são a concretização da orientação. Portanto, não pode haver oposição entre orientação e meios. Se, por exemplo, a orientação é construir uma sociedade mais justa e mais fraterna, os meios devem estar nessa mesma linha, não podemos usar meios corruptos ou violentos. É a orientação que deve dizer de quais meios precisamos. É por isso que os meios devem ser revistos continuamente: servem ou não servem à orientação? Estão ou não estão na linha da orientação?
1.5 – “Felizes os pobres em espírito”
Seguindo Jesus, as surpresas não param de acontecer. Não somente ele optou pelos pobres, não somente viveu uma existência pobre, não somente usou meios pobres; ele proclamou: “Felizes os pobres”. Para Jesus a felicidade está nos pobres, o que é isso? Ele não disse: “Felizes os pobres que conseguem sair da pobreza para se tornarem ricos”, porque? Como se explica? Não é essa a propaganda que a cultura do consumismo prega aos quatro ventos? Não é isso que a grande maioria dos pobres mais anseia? Não é esse o objetivo da economia de mercado? Não é esse o ideal da grande maioria das pessoas ao escolherem algum tipo de profissão na vida?
Nessas palavras de Jesus há algo em comum com todos os seres humanos. De fato, quem é que não quer ser feliz? O problema não é querer ou não querer ser feliz, isso todo mundo quer. A felicidade é o motor da vida. Se pensarmos bem, tudo o que fazemos é para alcançar nem que seja um pedaço de felicidade ou, ao menos, reduzir a infelicidade. A história da humanidade é uma longa caminhada rumo a felicidade. O problema é saber onde está o segredo da felicidade.
Uns identificam a felicidade com o possuir: “Quanto mais possuo, mais feliz serei”. Será que é isso? Por que, então, após um final de semana entre farras e prazeres, muitos amanhecem na segunda feira com rostos tristes, cansados e chatos? Por que após dias de férias, aos ‘mil e uma noite’, aparecem tantas pessoas desanimadas e azedas?
A pós-modernidade – esse tempo que estamos vivendo – é um tempo marcado por uma busca desenfreada de emoções: “Quanto mais emoções, no menor tempo possível, melhor”, assim muitos costumam dizer ou pensar. Drogas e prazeres egoístas fazem parte do giro das emoções. No entanto, essa é a época em que mais cresce o desencanto. A depressão atinge níveis altos em todas as categorias sociais e faixas etárias, inclusive adolescentes. Estatísticas dizem que cerca de 10% da humanidade sofre alguma espécie de depressão, quer dizer, mais de 600 milhões de pessoas. Ela já é considerada o mal do século XXI. Como se explica tanta contradição?
Então, a felicidade não depende, em primeiro lugar, de emoções prazerosas. Essas são importantes, têm valor, mas não são as coisas mais importantes, não podem ser absolutizadas. Acima das emoções está o sentido da vida, o rumo que damos à vida. Se as emoções vêm como conseqüência do sentido verdadeiro que damos à vida, são bem-vindas, mas não sempre isso acontece. O apóstolo Paulo escreveu desde a cadeia uma carta à comunidade cristã de Filipos dizendo: “Fiquem sempre alegres no Senhor! Repito: fiquem alegres!” (Fl 4,4). Como podia escrever isso, no porão frio de uma cadeia, com os pés acorrentados, passando fome e outras privações? Não era certamente por provar emoções prazerosas, e sim pelo sentido que estava dando àqueles sofrimentos.
No Evangelho de Lucas se diz simplesmente: “Felizes os pobres, porque o reino de Deus lhes pertence” (Lc 6,20). Quer dizer: felizes os pobres porque o Reino de Deus é com eles, é deles, é do lado deles e eles têm condição de fazê-lo acontecer nos caminhos da história. Os pobres são felizes, porque podem ser sujeitos históricos da grande tarefa da construção do Reino, e porque essa construção proporciona grande felicidade. Reino de Deus é o Reino da vida plena, da liberdade verdadeira, da mesa farta para todos, da dignidade, da comunhão feita de diferenças que enriquecem; é o reino do abraço e do perdão, onde só pode entrar gente humilde, gente sincera e transparente; onde Deus é acolhido e amado, como o Transcendente que não se deixa manipular e como o Libertador que nos faz sair de todo tipo de escravidão. Ao tornar pública a sua missão, Jesus usou as palavras do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
No evangelho segundo Mateus há uma palavra a mais: “Felizes os pobres em espírito” (Mt 5,3). O que é isso? Indo à raiz bíblica da expressão, descobre-se que eles são os pobres (pobres mesmo), mas conduzidos pelo espírito de Deus (esta é a tradução mais fiel ao texto grego). ‘Espírito’ é mais do que o simples respiro físico, mais do que a alma; é um estilo de vida, uma força que faz agir de uma determinada maneira, conforme o projeto de vida escolhido. Há ‘espírito bom’ e ‘espírito ruim’, aqui é o espírito bom, é o espírito de Deus, o seu dinamismo, o seu estilo de vida. Pobre ‘em espírito’ é viver segundo o espírito de Deus.
O evangelho de Mateus insiste muito sobre o agir, o fazer, a prática (cerca de 80 vezes), mas insiste também sobre a importância de uma profunda espiritualidade, capaz de iluminar, orientar e sustentar a prática. ‘Pobre em espírito’ é o pobre possuído pelo espírito de Deus, é aquele que vive as outras bem-aventuranças que estão no texto de Mateus (Mt 5,3-12). Para saber o que é ser pobre em espírito, é só seguir a Jesus, pois ele foi o ‘pobre em espírito’ no grau máximo; deixou-se possuir pelo Espírito do Pai. O pobre ‘em espírito’ é aquele que procura ter em sua vida os mesmos sentimentos que havia em Jesus (Fl 2,5).
Jesus viveu uma existência humana plena, viveu igual a nós em tudo, menos no pecado (Hb 4,15). Foi uma pessoa perfeita, deu um sentido verdadeiro à vida. Nele, a covardia, a mentira, os outros males, não tiveram vez; viveu a fidelidade à missão na insegurança do dia a dia: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9,58). Se Jesus tivesse fundado obras sociais, sem apontar à beleza e à urgência do estilo de vida dos ‘pobres em espírito’, provavelmente teria passado na história como uma pessoa generosa, mas só isso. Não teria revolucionado os caminhos da história.
Jesus propõe como modelo de perfeição, de autentica existência humana, uma existência pobre, partilhada: “Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha, e siga-me”, disse Jesus ao jovem rico, que não teve a coragem de dar o passo, e foi embora cheio de tristeza (Mt 19,21-22).
Portanto, vida verdadeira, vida ‘perfeita’ é uma vida simples e sóbria, partilhada e aberta, humilde e transparente, doada e corajosa. É uma vida consagrada à causa da vida, da verdade, da ética, da justiça, da solidariedade. É a mesma causa de Jesus. É ternura e profecia, é testemunho e denúncia. Vida consumista e banal, aquela que corre atrás de emoções a qualquer custo, é a negação do sentido verdadeiro da vida; é desperdício, é negar-se como pessoa. Somente do meio dos ‘pobres em espírito’ podem surgir verdadeiros profetas, pastores, conselheiros e testemunhas de uma humanidade reconciliada. Os profetas bíblicos nunca participaram dos conchavos ambíguos dos corruptos e dos exploradores.
O caminho da perfeição não é, em primeiro lugar, fundar obras sociais em favor dos pobres, é muito mais. É ser pobre em espírito, é viver uma existência humana ao estilo de Jesus, é viver os valores profundamente humanos, típicos do mundo dos pobres. São valores que estão ao alcance de todos, em quanto que criar obras sociais, fundar um colégio ou um hospital, somente poucos conseguem fazer.
1.6. A riqueza que vem dos pobres
É preciso rever nossa maneira de olhar aos pobres. Uma primeira maneira é olhar à eles do ponto de vista sociológico, quer dizer, a partir de como está organizada a sociedade. Neste sentido, o pobre é um carente, um que lhe falta algo que os outros têm e que ele não tem. Esta carência quase sempre é fruto de relações injustas, corruptas; é fruto de desigualdades, de divisões sociais, de insensibilidade, de falta de ética, de especulações financeiras insensatas e insensíveis, de estruturas injustas e desumanas. São males que é preciso desmascarar e denunciar com clareza e firmeza, sem meias palavras, como fez Jesus (Lc 6,20-26; 16,19-31). Mons. Romero dizia: “A carência dos bens necessários é um mal, fruto da injustiça e contrária à vontade de Deus” (Mons. Oscar Romero, homilia 17/02/1980). Às vezes, pode ser fruto também da falta de iniciativa própria.
Mas há equívocos que é preciso desfazer. Com freqüência se ouve que “a pobreza é uma desgraça”, que “a pobreza é uma maldição e a riqueza uma bênção”. Um pobre que não consegue subir a escada da riqueza, do prestigio, costuma ser tachado de preguiçoso, de incapaz, de desleixado, de ‘coitado’, de miserável, de alguém que não soube aproveitar da vida. Enfim, um falido na vida. Mas, será que o pobre é somente um carente, que tem nada para dar? Não se define uma pessoa pelo que não tem, que não é, e sim pelo que é.
É preciso olhar ao pobre também de outra maneira, do ponto de vista antropológico, quer dizer, da sua maneira de existir, de viver; da sua condição de pobre. Neste sentido o pobre não é somente um carente, é muito mais. É, antes de tudo, um portador de grandes valores humanos. Quais são? É só conviver e contemplar o mundo dos pobres, para descobrir seus valores. A seguir, algumas ‘riquezas’ do mundo dos pobres:
Eis aí alguns valores do mundo dos pobres. Há outros? Mas não são somente valores no meio dos pobres. Há também contra-valores, como: desânimo, desistência, acomodação, submissão, falta de confiança em si e nos outros pobres, exagero nas festas, resignação, adulação, fatalismo, superstições, imediatismo, falta de planejamento a curto, médio e longo prazo. O desafio é fortalecer os valores e eliminar os contra-valores. É importante distinguir os valores dos contra-valores para não destruir os primeiros ao eliminar os segundos.
3 – CONVICÇÕES PARA AVANÇAR NA MISSÃO
3.1 – Entendendo bem o papel das SMP
4 – ESPIRITUALIDADE DO MISSIONÁRIO
Não são poucos os agentes de pastoral que costumam reclamar: falta espiritualidade em nosso grupo! Quando os cristãos manifestam essa inquietação, o que na verdade, estão querendo ou dizendo? Creio estarem denunciando o fato de se sentirem meros executores de obras, o chamado ativismo pastoral. Sentem-se meros “tarefeiros”. Cumprem tarefas, promovem e participam de muitas reuniões, visitam doentes, organizam encontros e assembléias. Trabalham, evangelizam e sentem-se vazios, desmotivados. E alguns, diante das primeiras dificuldades na convivência, no relacionamento com os outros irmãos de caminhada, desistem e deixam o trabalho no meio do caminho. Sim, talvez tenha faltado espiritualidade, porque a Igreja não é uma empresa a que prestamos serviço… Sentimos falta de espiritualidade. Mas o que significa exatamente essa palavra? Evidentemente, ela vem de “espírito”.
Pedimos socorro ao Aurélio e lá encontramos algumas definições para a palavra espírito:
Perdemos tempo. Aurélio não nos ajudou, deixou-nos na mão. Mas não nos precipitemos. Aproveitemos alguma coisa. Talvez nos sirvam os conceitos “ânimo, índole”.
Espírito seria aquilo que anima a nossa ‘ânima’, a nossa alma. Seria o nosso entusiasmo, seria a nossa motivação maior, seria o nosso cerne, aquilo que sobra quando tudo acaba.
No AT, o termo que traduz espírito é ruah, que significa hálito. O respiro que pode ser concebido como um princípio ou como um sinal de vida. Lá no Gênesis, o espírito da vida é o hálito. A respiração é o hálito de Deus, o sopro comunicado ao homem por insuflação divina (Gn 2,7). O espírito no AT, originalmente vento e sopro, é concebido como uma entidade divina dinâmica, pela qual Javé realiza seus objetivos.
No NT, o termo que traduz espírito é PNEUMA. Muito semelhante ao sentido e ao uso da palavra ruah: é o movimento do ar, principalmente sopro ou vento. A novidade do NT: espírito como força de Deus, presente em JC e posteriormente nos apóstolos. O Espírito é dado, antes de tudo, ao próprio Jesus no batismo. Em João aparece como o Paráclito, o espírito de verdade que o mundo não conhece.
Dessa forma, Espiritualidade seria viver uma vida segundo o Espírito, uma vida no Espírito, aí se contrapondo à vida segundo à carne, à vida na carne.
Essas duas situações fundamentais que caracterizam o ser humano são desafios que exigem uma definição e uma opção fundamental.
As Escrituras entendem como sinônimo: andar no pecado. Carne é a debilidade moral, a infidelidade na obediência a Deus.
Viver segundo o espírito é viver filialmente face a Deus na devota obediência de sua vontade. Fraternalmente com os irmãos e senhorilmente frente ao mundo como um livre Senhor e responsável pela reta ordem das realidades do mundo. À luz desta compreensão, Jesus podia dizer: “O Espírito é quem dá a vida. A carne não serve para nada” (Jo 6,33). E Paulo redizia: “As tendências da carne são a morte, mas as do espírito são a vida e a paz”. (Rm 8,6).
Quem vive o projeto do espírito lentamente vai vivificando a carne. Não é possível jogar a carne fora. A vida segundo o espírito não consiste em recalcar ou negar a própria realidade da criação. Pelo contrário, exige um acolhimento e aceitação humilde. Esta atitude tem como conseqüência o triunfo da vida.
Espiritualidade é viver segundo o Espírito do Senhor, tentando fazer novas todas as coisas. É uma resposta pessoal à presença de Deus, uma experiência interior, um encontro pessoal e profundo com o Pai misericordioso. Faz-se como uma oração silenciosa…
A vivência de uma espiritualidade provoca um certo esquecimento de si, generosidade, desapego das coisas, relatividade dos acontecimentos. Qualquer realidade, mesmo as realidades mais concretas e materiais, quando tocadas por Deus, ficam espirituais. Assim, alguém que dá comida a um faminto movido por Deus, faz um ato espiritual.
Viver uma espiritualidade é cultivar a presença de Deus em nós. Presença que envolve todo nosso ser: corpo, sexualidade, afetividade, inteligência, vontade, liberdade, relação com os outros, com as coisas, com o mundo, com Deus.
O que é espiritualidade missionária? Espiritualidade é uma forma de viver nosso cotidiano, então significa que há vária espiritualidade, porque o cotidiano da vida pode ser vivido de maneira diferente. Melhor ainda: há uma espiritualidade única, aquela do seguimento de Jesus, mas essa nós podemos viver de maneiras diferentes, conforme as situações em que estamos e as opções de vida que fizermos.
Qualquer espiritualidade supõe uma experiência de Deus.
Condições para a experiência de Deus:
II – Espiritualidade na Bíblia
Para entendemos melhor a Espiritualidade vou pegar alguns testos da Bíblia:
1 – Espiritualidade é ser uma nova criatura
> 2 Cor 5,17 mostra que o maior milagre na vida humana é a regeneração. Em Cristo, você se torna nova criatura. A velha natureza, que podia ter inclinações para a indisciplina, a feitiçaria, o engano, o ateísmo e tudo que contraria os valores de Deus foi transformada.
Vivendo na força do Senhor Jesus Cristo. Nos primeiros momentos da conversão existe a alegria, a paz do Espírito, a segurança de ter Deus sempre ao lado e a intenção de contar a todos a nova vida em Cristo. No entanto, as circunstâncias da vida fazem as dúvidas surgirem. A tentação parece estar mais próxima do que nunca. O sentimento de incapacidade para vencer tenta dominar o coração.
> Efésios 6, 10 – 20, Paulo afirma que a nova vida só pode ser vivida através da fortaleza de Deus em nós. E isso é conseguido através da comunhão com o Espírito, com a leitura e meditação da Bíblia e vida de oração.
Vivendo com novas pessoas através da participação na Igreja, da convivência com os irmãos, com os períodos de louvor, do ensino e aprendizado da Bíblia, do tempo de oração e jejum, você receberá ajuda para viver a nova realidade de vida, a vida cristã.
2 – Espiritualidade é ter um novo procedimento
> Cl 3, 23 – Todo o propósito da vida cristã é glorificar a Deus. Todas as palavras que dizemos, toda nossa submissão aos preceitos de Deus, toda convivência com os outros, todo emprego das responsabilidades dadas por Deus através dos dons e talentos, todo modo de agir diante das oportunidades ou circunstâncias da vida – tudo deve ser procedido de tal forma que glorifique a Deus.
>1Cor 3,1 – Ao escrever aos Coríntios, o apóstolo Paulo, decepcionado com a conduta daqueles irmãos, afirmou que não pudera dirigir-se a eles como a espirituais e sim como a carnais, como a crianças em Cristo, Por que uma palavra tão dura? Porque aqueles crentes eram imaturos. Falavam em línguas estranhas, mas também brigavam nos tribunais pagãos. A igreja era um foco de divisões.
>Fl 4, 6 – Todo momento deve ser próprio para falar com Deus e ouvir Deus falar. Você deve cultivar uma vida de comunhão com Deus através da oração. Suas necessidades pessoais, problemas familiares, dúvidas quanto à fé, dificuldades diárias devem ser levadas a Deus através da oração.
A intercessão por outras pessoas é importante. Saiba que sempre haverá alguém intercedendo por você. Com isso, você fala com Deus. Mas, quando você lê a Bíblia, Deus fala com você. Ela não apenas instrui sobre doutrinas, mas ensina como ter atitudes que agradem a Deus.
III. A Espiritualidade Missionária
Missão sempre evoca uma ação, uma atividade. Quando pensamos num missionário, sempre o imaginamos envolvido em mil atividades. Caminhando, subindo favelas, batendo de porta em porta, atendendo uma fila de centenas de pessoas doentes no sertão nordestino. O missionário é o homem e a mulher incansáveis. Deixaram tudo: família, amigos, país natal e partiram para um desafio que exige, antes de tudo, esforço físico. O missionário, nessa concepção, é um atleta, um ginasta, que precisa ter, antes de tudo, preparo físico. Ser missionário é quase uma malhação.
Dessa forma, ficam imediatamente excluídos da possibilidade de ser missionários: os idosos, os enfermos, as crianças, os monges, as monjas. Fica difícil entender que Santa Teresinha do Menino Jesus seja apresentada como modelo de missionária, aliás, Padroeira Universal das Missões da Igreja.
Dessa caricatura podemos deduzir que o missionário, nessa perspectiva, transforma-se num “tarefeiro”. Cumpre tarefas. Se o missionário não cultivar uma espiritualidade própria, uma mística, bem cedo ele vai pedir aposentadoria. Cansado, extenuado, suado, vai desistir de sua missão, caso não cultive o que podemos chamar de vida interior.
“A Espiritualidade missionária exprime-se, antes de tudo, no viver em plena docilidade ao Espírito, e em deixar-se plasmar interiormente por Ele, para se tornar cada vez mais semelhante a Cristo”. (João Paulo II, a Missão do Redentor, n. 87). Os apóstolos eram muito limitados. Amavam o mestre, eram generosos na resposta a seus apelos, mas mostravam-se incapazes de compreender suas palavras e eram renitentes em segui-lo pelo caminho da cruz. O Espírito cuidará de transformá-los em testemunhas corajosas e anunciadores esclarecidos de sua palavra: será o Espírito quem os conduzirá pelos caminhos árduos e novos da missão.
A nota essencial da espiritualidade missionária é a comunhão íntima com Cristo. Não é possível compreender e viver a missão, sem a referência a Cristo.
Como “enviado”, o missionário experimenta a presença reconfortante de Cristo que o acompanha em todos os momentos da vida: “Não tenhas medo… porque eu estou contigo” (At 18,9-10).
O chamado à missão deriva, por sua natureza, da vocação à santidade. Todo cristão só é autêntico missionário se empenhar no caminho da santidade. A vocação universal à santidade está estritamente ligada à vocação universal à missão.
Por isso, é preciso que tenhamos um novo “ardor de santidade”, a sermos “contemplativos na ação”. Sem o Espírito, o Evangelho é morto e a evangelização é uma simples propaganda. Com o Espírito, entretanto, o Evangelho é força de Deus e a evangelização é um Pentecostes. As técnicas de evangelização são boas, mas mesmo as mais aperfeiçoadas não poderiam substituir a ação do Espírito Santo.
Já podemos falar em SANTIDADE MISSIONÁRIA, cujos elementos são os seguintes:
A espiritualidade missionária exige confronto com algumas tentações:
IV – Espiritualidade de Jesus: Santas Missões Populares
Jesus tinha um sonho, um grande sonho: vida e liberdade para todos!(Jo8, 31 -32; 10, 10). Queria que todos vivessem unidos, iguais, em comunhão com o Pai (Jo 17,21). Esse sonho não era fantasia. Jesus transformou o sonho em um projeto possível, viável. Encarnou e situou, no tempo e no espaço, esse sonho e deu-lhe um nome: Reino de Deus. Fez desse projeto o sentido de sua vida. Abraçou-o como missão.
Jesus não se pertenceu, mas pertenceu a essa missão, tão bem resumida nas palavras do profeta Isaias, que Jesus leu e assumiu publicamente durante um culto na sinagoga de Nazaré (Lc 4, 14 – 21).
O missionário procura inspirar-se na mesma espiritualidade missionária de Jesus, mas encarnada e atualizada na realidade em que ele vive. Qual enfim a espiritualidade do missionário que trabalha as Santas Missões Populares?
Realmente, a vocação do missionário (a) é ser:
profeta/profetisa, que desmascara e denuncia todo tipo de corrupção, de desonestidade, de injustiça, de mentira, de agressão à dignidade da vida.
5 – SER E FAZER DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS:
Uma igreja que procura a si mesma e sua conversão na missão: esse é o mesmo anseio que deu vida ao Concílio Vaticano II. Já na época via-se os alvores, as promessas e as fragilidades de um mundo globalizado. Hoje como ontem, olha-se com otimismo e simpatia, de maneira ampla mas não ingênua, às mudanças que estão acontecendo, procurando enxergar através dos sinais dos tempos o projeto de Deus para a história (Documento de aparecida 33; 60).
A partir de uma intuição profundamente missionária e aberta ao mundo, a Igreja na América Latina é chamada a repensar a si mesma e à sua missão. Essa missão convoca para uma conversão profunda: “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim será possível que ‘o único programa do Evangelho continue introduzindo-se na história de cada comunidade eclesial’ com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como mãe que vai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária” (DA – DA 370).
“A Diocese, em todas as suas comunidades e estruturas, é chamada a ser ‘comunidade missionária’. Cada Diocese necessita fortalecer sua consciência missionária, saindo ao encontro dos que ainda não crêem em Cristo no espaço de seu próprio território e responder adequadamente aos grandes problemas da sociedade na qual está inserida. Mas também, com espírito materno, é chamada a sair em busca de todos os batizados que não participam na vida das comunidades cristãs” (DA 168). É nessa busca, saída, aproximação aos outros, que a Igreja encontra a si mesma em sua verdadeira identidade e também em sua renovação.
“Ao participar dessa missão, o discípulo caminha para a santidade. Vivê-la na missão o conduz ao coração do mundo. Por isso, a santidade não é fuga para o intimismo ou para o individualismo religioso, tampouco abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, e muito menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual” (DA 148).
1 – A missão como âmbito para o discipulado
O caminho de perfeição, portanto, acontece na missão. “Ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas as nações (Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isso, todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo tempo em que o vincula a Ele como amigo e irmão” (DA 144).
A proposta de discipulado de Jesus acontece no caminhar da missão: o Mestre chama seus discípulos a segui-lo para fazê-los “pescadores de homens” (Mt 4,19), enquanto “andava por toda Galiléia, pregando a Boa Nova do Reino e curando todo tipo de doença” (Mt 4,23).
Também a célebre passagem de Mc 3,13-19, citada do Documento de Aparecida duas vezes (DA131; 154) não se refere a dois momentos distintos: “ficar com Ele” e “ser enviados a pregar”. Pois, o “ficar com ele” denota o “partilhar em tudo o seu destino”. Ficar não é apenas “estar”, “seguir”, mas, como expressa corretamente o documento, é “viver em comunhão com Ele” (DA 154). Pedro apenas “estava” com Jesus quando respondeu certo: “Tu és o Messias” (Mt 16,16). Logo depois, porém, o Mestre o chama de Satanás, “porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (Mt 16,23). É muito claro que Pedro não tinha entrado ainda em comunhão plena com a missão, a identidade do Filho de Deus e o horizonte do Reino.
Da mesma forma, o encontro com Jesus Cristo, tão almejado em todo documento particularmente no capítulo 6, pode não resolver muita coisa se esse encontro não leva logo a abraçar a missão. No encontro com Jesus, o jovem rico não aceita o seguimento na missão que se concretiza imediatamente na fundamental saída de simesmo, em largar mão de seus bens, em favorecer os pobres e em entregar-se totalmente a Deus (cf. Mc 10,17-22). O encontro com Jesus é intenso, amoroso, cheio de reconhecimento recíproco, mas, afinal, improdutivo.
A missão é a verdadeira escola para a comunidade dos discípulos. O encontro autêntico com Jesus acontece nos caminhos da Galiléia. A relação com ele leva os Doze a “aprender seu novo modo de viver e de trabalhar, de amar e de servir, e para adotar sua maneira de pensar, sentir e agir, a ponto de experimentar que ‘já não sou eu que vivo mas é Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20) … Por isso, discípulo não é sinônimo de aluno. Discípulo significa relação com uma pessoa, em nosso caso a pessoa de Jesus Cristo, cujos passos o discípulo segue sem reserva, por amor, assimilando-se a seu estilo de vida e a seu projeto” (Rumo à V Conferência. Documento de participação, n. 54).
“O discípulo experimenta que a vinculação íntima com Jesus no grupo dos seus é participação da Vida saída das entranhas do Pai, é formar-se para assumir seu estilo de vida e suas motivações (cf. Lc 6,40b), correr sua mesma sorte e assumir sua missão de fazer novas todas as coisas” (DA 131).
Trata-se de um percurso interior de conversão que começa pelo testemunho de vida, pela acolhida da “Palavra do Reino” (cf. Mt 13,19), pela mudança do coração, pela adesão a uma comunidade que celebra o mistério Pascal e confessa o senhorio de Cristo, salvação de todos e recapitulação de todas as coisas: “O Senhor é o fim da história humana, o ponto focal dos desejos da história e da civilização, o centro do gênero humano, a alegria de todo coração, a plenitude de suas aspirações” (GS 45).
2 – Ser discípulo: um humilde aprendiz na prática missionária
Se a finalidade da missão mundial é fazer discípulos, se isso não corresponde a um programa proselitístico mas a uma auto-compreensão da identidade e da missão da comunidade cristã, devemos então desvendar o que significa ser discípulo de Jesus e também entender bem o significado do envio aos povos. Este envio já aparece, num primeiro momento, como uma exigência do ser discípulo. Seja como for, os discípulos são chamados a “serem perfeitos” como o Pai (Mt 5,48; 19,21) e seguirem o exemplo do seu Mestre e Senhor. Juntamente com o tema da vida nova no Espírito da tradição lucana (At 1,5), joanina (Jo 3,5) e da pregação paulina (Rm 8,9-11), o discipulado é um eixo estruturante da proposta cristã que emerge do NT. Lucas, nos Atos dos Apóstolos, chamará esta seqüela de “Caminho” (At 9,2; 16,17; 18,25-26; 19,9; 19,23; 22,4; 24,14; 24,22).
A condição preliminar e essencial para seguir Jesus é tornar-se pobre, humilde, manso, misericordioso, puro de coração. Numa palavra, um humilde aprendiz. Essa é a condição básica para aprender e se entregar a Deus. Os soberbos e os presunçosos não estão em condição de aprender: contam apenas consigo mesmo.
3 – A montanha das Bem-aventuranças: o itinerário formativo dos discípulos missionários
“No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor serviçal até à doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitem para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que nós devemos fazer nas atuais circunstâncias” (DA 139).
No monte das bem-aventuranças, a primeira arrancada que Jesus propõe a essa turma de aprendizes é o pleno cumprimento da Lei (Mt 5,17-20): Jesus prega o caminho da perfeição através da vivência profunda da Lei de Deus. Esse Mestre não exige apenas um cumprimento “burocrático” dos 10 mandamentos, mas um comprometimento essencial com o espírito da Lei. Portanto, “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Ele parece Moisés no monte Sinai promulgando um novo código da aliança. Na realidade não tem nada substancialmente novo nos ensinamentos de Jesus. A sua re-edição da Lei parte do corretivo crítico do dúplice mandamento do amor (Mt 22,37-40) como princípio interpretativo último contra um legalismo burocrático e estéril, talvez presente na mesma comunidade.
Em seguida, as etapas dessa caminhada são essencialmente três:
* a passagem da vivência de um amor “ordinário” para um amor radical (não apenas quem mata, mas também quem fala “estúpido” para seu irmão irá para o fogo do inferno – Mt 5,21ss.);
* a passagem de um amor recíproco para um amor gratuito (não olho por olho e dente por dente – reciprocidade – mas oferecer outro lado da face, o manto, o tempo, etc. – Mt 5,38ss.);
* a passagem de um amor “tribal” para um amor universal (o amor aos inimigos, o amor estendido a todos sem exclusão de alguém – Mt 5,43ss.). Essa última etapa corresponde também com o topo da montanha do mandato missionário de onde Jesus envia seus discípulos a todos os povos. O discipulado acontece na missão e a missão universal realiza plenamente o discipulado. É o máximo do amor possível.
“Para ficar verdadeiramente parecido com o Mestre, é necessário assumir a centralidade do Mandamento do amor, que Ele quis chamar seu e novo: ‘Amem-se uns aos outros, como eu os amei’ (Jo 15,12). Este amor, com a medida de Jesus, com total dom de si, além de ser o diferencial de cada cristão, não pode deixar de ser a característica de sua Igreja, comunidade discípula de Cristo, cujo testemunho de caridade fraterna será o primeiro e principal anúncio: ‘Todos reconhecerão que sois meus discípulos’ (Jo 13,35)” (DA 138)
“A vida se acrescenta dando-a, e se enfraquece no isolamento e na comodidade. De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam da margem a segurança e se apaixonam pela missão de comunicar vida aos demais (…) Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: Que a vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros. Isso é, definitivamente, a missão” (DA 360). A vida não é para ser retida em abundância (Jo 10,10), mas é para ser doada.
4 – Nossa fé funda e se realiza num humanismo
O Evangelho sempre foi uma Boa Nova para os pobres e os humildes e, ao mesmo tempo, uma notícia péssima para os ricos e os poderosos (Lc 1,52-53). “Tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres, e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus Cristo: ‘Tudo quanto vocês fizeram a um destes meus irmãos menores, o fizeram a mim’ (Mt 25,40).
Jesus dirige a todos esse convite de ser discípulo missionário e não somente a alguns. Esse caminho representa a essência do Reino de Deus, acolhido em nossa vida como semente, fermento, tesouro, pérola (Mt 13). Esse projeto de vida é também uma rede lançada ao mar que apanha peixes de todo tipo. Quando está cheia, os pescadores puxam a rede e escolhem os peixes bons dos que não prestam (Mt 13,47-49). O caminho – encontro – missão com Jesus é decisivo para a salvação ou a perdição. O Evangelho é uma palavra última que encosta o sujeito e a comunidade na parede, não deixa ninguém indiferente e exige uma resposta.
Os profetas tinham já anunciado a salvação de todos os homens (Is 2,2-4; 49,6; 60,3; Jr 16,19-20). Para o evangelho de Mateus a profecia agora se cumpre, mas pela via do discipulado. Para ser salvo, é preciso pôr-se no seguimento de Jesus, entrar em relação com a sua pessoa nos caminhos concretos da missão, na aproximação dos outros e dos pobres. Não há outra possibilidade:
“Uma fé restrita a aclamações litúrgicas e a celebrações rituais da glória divina do Ressuscitado, reduzida a experiências carismáticas e a fenômenos pentecostais, entendida unilateralmente na freqüência de onda do entusiasmo do espírito, recebe dura condenação. O Ressuscitado não nos tira da história, não nos faz exilados nos estratos rarefeitos de espiritualidade desencarnadas, mas nos mergulha no presente, colocando-nos perante da exigência de um empenho concreto de obediência e de amor”. O Deus de Jesus fica cada vez mais feliz na medida em que o homem vive bem. A única coisa que nos pede (porque é a única que humaniza plenamente) é aquela de viver como filhos do Pai e como irmãos entre nós. Nada mais e nada menos do que isso; além do mais, este é o cumprimento da Lei e dos Profetas: o resto vem do maligno. A nossa fé não constitui uma moral, um rito; funda e se realiza num humanismo. Amar o humano em todas as suas manifestações e limitações: isto é divino e isto é exigido aos discípulos missionários.
“A missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem destinação universal. Seu mandato de caridade alcança todas as dimensões da existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos. Nada do humano pode lhe parecer estranho” (DA 380).
O Evangelho não indica as condições para salvar a própria alma: indica de como viver plenamente, humanamente na base do amor gratuito. Ele é recompensa para si próprio.
6 – VISITAS
Uma das coisas mais importantes nas Santas Missões Populares são as visitas dos missionários (as). Realmente, os resultados, apesar de tantas falhas, sempre surpreendem. Pela sua importância.
6.1 – As visitas fazem bem
Visitar é reconhecer que o outro existe; é sair de si, é romper a casca do egoísmo, é marcar presença significativa no outro (a). Visitar é saber escutar, dar o melhor de si para que o outro cresça como sujeito, como pessoa autêntica. Visitar é um caso de amor, de amor sublime.
6.2 – As visitas de Jesus
Jesus caminhava; foi um missionário itinerante.
Jesus sabia contemplar a vida das pessoas, valorizava as coisas boas que ia encontrando.
6.3 – As visitas dos Missionários (as)
6.4 – Os dez mandamentos do missionário
1º Humildade para servir e acolher a todos, sem distinção. Mt 20, 25-28; Lc 10, 30-34
2º Disponibilidade necessária para servir ao Reino de Deus. Lc9, 57-62.
3º Despojamento para ir ao encontro de Deus e dos irmãos, confiando sempre na Providência Divina. Lc 9,1-6.
4º Força espiritual, porque só através de uma vida de oração seremos verdadeiramente missionários. Lc 6,12; 9, 28-29; MT 10,28.
5º Coragem, ousadia e confiança em Deus diante dos desafios para anunciar o Evangelho, denunciando as injustiças e todo tipo de males que nos oprimem. Lc4, 16-19; MT 10,28.
6º Buscar sempre a inspiração de Deus para poder levar o amor, a paz, o perdão e a reconciliação. Jo 14, 12-13.
7º Clareza e sabedoria para anunciar aquilo que Deus quer e não aquilo que queremos. Nossas atitudes, ações e palavras devem estar sempre pautadas nos ensinamentos de Jesus. Ef3, 20-21; Jo 14,26
8º Solidariedade, companheirismo de equipe. Ninguém evangeliza sozinho. Não deve haver estrelismos. Rm 12,3-8, 1Cor 12, 12-26
9º Comunhão com Deus. O missionário precisa estar em comunhão com Deus, para que o seu testemunho seja coerente e verdadeiro. Jo 15, 4-5
10º Ser instrumento. O missionário, em sua missão, precisa reconhecer sempre a grandeza de Deus, visto que não é ele que evangeliza. Ele é apenas instrumento de evangelização. Alegrar-se sempre pelos dons que recebeu do Pai. Lc 10, 17-21.