A opinião é do teólogo e padre italiano Vittorio Mencucci, pároco em Scapezzano, na Diocese de Senigalia, na Itália, e autor de Donna sacerdote? Ma con quale Chiesa? [Mulher sacerdote? Mas com qual Igreja?] (Ed. Il Pozzo di Giacobbe).
O artigo foi publicado por Rocca, n. 16/17, 15-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: www.ihu.unisinos.br
Primeira premissa: entrando na igreja, em um piscar de olhos, capta-se com clareza que a maioria das pessoas presentes são mulheres não mais jovens; as mais jovens já foram embora. Eram as mulheres que exigiam o casamento na igreja; agora que as jovens foram embora, os casamentos na igreja são cada vez mais uma raridade. As crianças chegavam à catequese já prontas nos rudimentos da fé; hoje são analfabetas do ponto de vista religioso. Aos domingos, as famílias frequentavam a missa porque a mãe, em uma certa hora, puxava os lençóis e obrigava os preguiçosos a saírem da cama; hoje as presenças na igreja caem continuamente.
Se nos perguntarmos quem mantém a igreja limpa, quem pensa na decoração das flores, quem cuida da conservação dos paramentos e das toalhas, quem se presta gratuitamente a fazer o trabalho de secretaria e a acolher as pessoas que se dirigem ao escritório paroquial, a resposta não é diferente.
Sem a presença e a contribuição das mulheres, as igrejas estariam semidesertas e em estado de abandono, mas as mulheres importam muito pouco do ponto de vista da tomada de decisão. É uma situação contraditória que não pode ser aceita e não pode durar.
Segunda premissa: Jesus não concedeu o sacerdócio nem às mulheres nem aos homens: ele nunca usou o termo “sacerdote”, mas constituiu apóstolos, ou seja, enviados a anunciar a boa notícia.
Entre sacerdote e apóstolo, há uma clara diferença. As mulheres são as primeiras a serem enviadas a anunciar a ressurreição. São Paulo, apesar da sua mentalidade misógina, conclui a carta aos Romanos com elogios e agradecimentos também às mulheres que prestaram o seu serviço na comunidade, entre elas, Júnia, que, com o seu marido Andrônico, “são insignes entre os apóstolos”. A apologética curial elaborou muitas interpretações dessa frase para evitar o sentido mais simples e evidente, mas explosivo.
Terceira premissa: o Concílio Ecumênico Vaticano II quase eliminou o termo “sacerdote”, preferindo o termo “presbítero”, mas, depois, houve um refluxo para um clima sacralizante. Como o debate utiliza o termo “sacerdote”, vou fazer uso dele, admitindo, mas não concedendo a sua pertinência ao cristianismo.
Na sequência da decisão da Igreja Anglicana de conferir o sacerdócio às mulheres em 22 de maio de 1994, com a carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, João Paulo II define a questão: “Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos, declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja” (n. 4).
Diante da perplexidade provocada por essa intervenção tão forte, a ponto de parecer uma definição dogmática que eliminaria qualquer possibilidade de discussão, a Congregação para a Doutrina da Fé esclareceu, em seguida, que se trata “no caso presente de um ato de magistério papal ordinário em si não infalível” (DC 92, 1995, 1.081). O esclarecimento da Congregação tranquilizou os ânimos e abriu espaços de discussão.
Hoje, em um clima fecundo de esperanças, enquanto se debate sobre o diaconato das mulheres, chega, de modo inesperado e arrefecedor, o artigo do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé no L’Osservatore Romano, intitulado: “O caráter definitivo da doutrina da Ordinatio sacerdotalis. A propósito de algumas dúvidas” (29 de maior de 2018).
O cardeal se diz preocupado com as “vozes que põem em dúvida a definitividade dessa doutrina. (…) Semeando essas dúvidas, cria-se uma grave confusão entre os fiéis, não só sobre o sacramento da ordem como parte da constituição divina da Igreja, mas também sobre o magistério ordinário que pode ensinar de modo infalível a doutrina católica”.
A exclusão da mulher do sacerdócio não tem um fundamento na Palavra de Deus. Em 1977, a Pontifícia Comissão Bíblica, encarregada por Paulo VI para estudar a questão, para cortar pela raiz as várias tentativas de propor a hipótese da mulher-sacerdote, assim se pronunciou: “Não parece que o Novo Testamento sozinho nos permita resolver de modo claro e de uma vez por todas o problema do possível acesso da mulher ao presbiterado”.
Só resta o outro fundamento possível, ou seja, a tradição, mas a tradição é facilmente influenciada pela cultura e pelos costumes das várias épocas pelas quais passa. Isso exige a análise e o escrutínio crítico de todos os elementos, para evitar que seja tomado como verdade aquilo que é apenas um preconceito de uma época.
Toda a Idade Média em diante fundamentou a norma da exclusão da mulher do sacerdócio sobre a indiscutível evidência de princípio e de experiência cotidiana de que a mulher é inferior ao homem, não é autônoma e é incapaz de um papel de direção.
Até mesmo a palavra de Deus é interpretada de acordo com essa pré-compreensão. Deus não quer deixar Adão sozinho e lhe promete que lhe dará uma ajuda que lhe seja semelhante. Ou seja, a mulher é criada para que seja de ajuda ao homem, caso contrário, não teria sentido existir. Além disso, é tirada de uma costela do homem, portanto, dependente dele, e a costela é um osso torto, então a mulher é constitutivamente feita de “madeira torta”.
Hoje não é necessário refutar essas ‘estupidezes’. João Paulo II se dá conta de que esses preconceitos contra a mulher jogam descrédito sobre o pensamento da Igreja e claramente os exclui, afirmando que, se a mulher é de ajuda ao homem, da mesma forma o homem é de ajuda para a mulher, com igual dignidade.
Concordo plenamente, mas não posso deixar de considerar que, por muitos séculos, a tradição constante e ininterrupta da exclusão da mulher do sacerdócio se apoia sobre preconceitos.
Permito-me aqui um pequeno apêndice para sublinhar esse aspecto. A mulher é muitas vezes apresentada como imersa em um halo de uma viscosa sexualidade sedutora e, ao mesmo tempo, devastadora. Ela é sempre responsável pelo mal, mesmo quando quem cai é o homem. São Paulo afirma com segurança: “E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, pecou” (1Tm 2, 14).
Ao longo de toda a Idade Média, essa crença ecoou de várias formas tão imotivadas quanto fanaticamente convictas. Eis alguns exemplos:
“A mulher é o princípio do pecado e, por causa dela, todos nós morremos. O beato Paulo diz: ‘Adão não foi enganado, foi a mulher que, enganada, cometeu a transgressão’. Não foi talvez por isso que o sábio disse: ‘Qualquer maldade é pequena quando comparada com a maldade da mulher’?” (São João Crisóstomo).
“Tu não sabes que és Eva… Tu és a porta do diabo… Tu és aquela que, por primeiro, violou a lei divina; tu és aquela que persuadiu aquele que o diabo não foi capaz de atacar; quão facilmente fizeste cair o homem, a imagem de Deus; pela pena por ti merecida, isto é, a morte, até mesmo o filho de Deus teve que morrer” (Tertuliano).
“Não sabes que és mulher e que, através das mulheres, o inimigo combate os santos?” (Leão Magno).
“A beleza do corpo está apenas na pele. Na realidade, se os homens pudessem ver o que está debaixo da pele, a visão das mulheres lhes daria náusea… Embora não suportemos tocar um cuspe ou um excremento nem mesmo com a ponta dos dedos, como é que podemos abraçar esse saco de excrementos?” (Odo, abade de Cluny).
“Quando vês uma mulher, pensa que é um demônio, que é uma espécie de inferno” (idem).
“O vento Norte dá força, o Sul a tira… o vento Norte favorece a geração de homens, o vento Sul, a das mulheres, porque o vento Norte é puro… o vento Sul é úmido e carregado de chuva” (Alberto Magno).
“A mulher é a própria sensualidade, que é bem representada por ela, já que, na fêmea, ela predomina por natureza” (Pedro Lombardo).
“A mulher, coisa frágil, nunca estável, exceto no delírio, nunca deixa de causar dano espontaneamente. A mulher, chama voraz, loucura extrema, inimiga íntima, aprende e ensina tudo o que pode causar dano, nascida para enganar, pensa ter tido sucesso, quando pode ser culpada. Enquanto consome tudo no vício, é consumida por todos e, predadora dos homens, torna-se, por sua vez, sua presa” (Hildeberto de Lavardin).
Para a mulher, é oferecida uma possibilidade de resgate da sua situação de inferioridade e de pecado, renunciando à sexualidade que a caracteriza, mas, apesar disso, não lhe será concedida a possibilidade de ter acesso ao sacerdócio.
“Enquanto a mulher está para a geração e para a prole, ela difere do homem assim como o corpo difere da alma, mas, quando quer servir a Cristo mais do que ao mundo, então deixará de ser mulher e será chamada de homem (vir)” (São Jerônimo).
Se o homem é celeste da cintura para cima, enquanto embaixo é pecaminoso, a mulher é diabólica da ponta dos pés até o topo dos cabelos. O homem da Idade Média vive de maneira contraditória a relação com o sexo, não sabe se controlar diante da mulher e, ao mesmo tempo, vive essa relação com um sentimento de culpa que tenta descarregar sobre o outro mais fraco, ou seja, a mulher: a pregação sobre a inferioridade da mulher demonstra apenas a imaturidade e, portanto, a inferioridade dos pregadores. Só podemos nos envergonhar com essa tradição ininterrupta.
Argumenta-se: Jesus não era condicionado pela cultura do seu tempo em relação às mulheres; se tivesse querido conceder o sacerdócio, o teria feito; se não o fez, é sinal de que não queria; portanto, a exclusão das mulheres do sacerdócio é uma escolha incontestável de Jesus.
Recordo que estudei em lógica que o dilema só tem valor se “tertium non datur”, mas aqui posso pensar que Jesus levou em conta a previsível acolhida negativa entre as pessoas do seu tempo.
Sugiro a comparação com outro problema que tem a mesma estrutura lógica: a escravidão. De fato, Jesus não concede o sacerdócio às mulheres, sem fazer nenhuma declaração de princípio. Da mesma maneira, ele não proclama a revolução contra a escravidão, enquanto, de fato, convive com ela e a assume na sua linguagem metafórica. Eu me pergunto: se o fato de não ter chamado as mulheres ao sacerdócio eleva-se a princípio que vale para sempre, o fato de não ter afirmado o direito dos escravos à emancipação também se torna um princípio de natureza imutável?
Nós, modernos, nos rebelamos em coro, nós, que cremos, nos sentimos humilhados por essa interpretação da Palavra de Deus.
Toda exclusão envolve uma limitação e, portanto, uma inferioridade. Somente o fanatismo dos apologetas pode fingir não ver. Assim também em relação à exclusão da mulher do sacerdócio. Isso, para nós, homens modernos, soa inaceitável e não conseguimos pensar em Cristo de um lado diferente. A preocupação da autoridade eclesiástica é de passar ilesa entre Cila e Caríbdis, ou seja, manter firme a exclusão das mulheres do sacerdócio e, ao mesmo tempo, não diminuir a dignidade da mulher, o que, na cultura contemporânea, levaria a um suicídio de credibilidade.
A solução está em reconhecer igual dignidade mesmo na distinção dos papéis. Creio que o primeiro a enfrentar o problema foi Paulo VI no Ângelus do domingo, 30 de janeiro de 1977. “Que em um coro de vozes humanas haja o tenor e haja o soprano não é preferência para um e um erro para o outro, mas uma ordem, fundamentada na essência das pessoas que o compõem, uma beleza que tem por origem a sabedoria ontológica da natureza, isto é, de Deus criador”.
Parece-me que a comparação do coro não é usada corretamente. O fato de os tenores e os sopranos cantarem partituras diferentes certamente não envolve subordinação, mas, se no coro se faz com que apenas os tenores cantem e se faz os sopranos calarem, talvez confiando-lhes a tarefa de tirar o pó das poltronas da plateia, ou das sacristias, inevitavelmente fere-se a igual dignidade: observe-se a situação atual das mulheres na Igreja.
Voltemos ao tema das motivações: derrubada a motivação da inferioridade, deveria cair a norma da exclusão, mas a norma permanece inalterada e é imediatamente sustentada pelo novo argumento da metáfora nupcial que expressa a relação entre Cristo e a Igreja, retomando a imagem da Carta aos Efésios de São Paulo: “Maridos, amem suas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5, 25-33).
João Paulo II argumenta assim: “A Eucaristia torna presente e de modo sacramental realiza novamente o ato redentor de Cristo, que ‘cria’ a Igreja, seu corpo. Com este ‘corpo’ Cristo está unido como o esposo com a esposa. (…) Isto se torna transparente e unívoco, quando o serviço sacramental da Eucaristia, no qual o sacerdote age ‘in persona Christi’, é realizado pelo homem” (Mulieris dignitatem, n. 26).
As metáforas não fundamentam nada, no máximo nos ajudam a compreender. Além disso, essa metáfora revela, para nós, modernos, toda a sua limitação que a liga à cultura da época. Na mesma carta, Paulo afirma: “Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja” (Ef 5, 22-23). Além disso, essa metáfora se insere em uma visão negativa da mulher. “Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Portanto, que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, pecou. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que permaneça com modéstia na fé, no amor e na santidade” (1Tm 2, 11-15).
Neste ponto, tenho a coragem de dizer que o argumento da metáfora nupcial é invalidado pelas palavras diretas e precisas do Evangelho: a pessoa de Cristo, em cujo nome o ministro age no sacramento, é aquela pessoa que morreu na cruz e depois ressuscitou, mas o corpo do ressuscitado não é nem masculino nem feminino, porque “na ressurreição, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu” (Mt 22, 30). Espero que ninguém comece novamente a discutir o sexo dos anjos!
Além disso, não se pode esquecer que, na constante tradição da Igreja, a mulher pode administrar legitimamente o batismo e o matrimônio, que envolvem igualmente um agir in persona Christi, e, nesses sacramentos, mais do que nunca, Cristo gera a sua Igreja com a qual está unido como Esposo.
Por que a diferença de gênero tem uma validade oposta nos diversos sacramentos, embora desempenhando o mesmo papel?
No fim das contas, o esclarecimento desse problema tem na raiz não uma questão de fé, mas sim a pré-compreensão coletiva de uma era, ou seja, o conjunto de noções e regras do pensamento que constitui a nossa visão do mundo e se torna a lente através da qual interpretamos o mundo. A Idade Média tinha como pré-compreensão a firme convicção enraizada na prática cotidiana da inferioridade da mulher, por isso a exclusão do sacerdócio, dignidade suprema para o tempo, era uma consequência lógica e necessária.
Mas nós pertencemos a outra era cultural, que tem como eixo a pessoa humana, indivíduo irrepetível, livre, responsável pelas próprias decisões, igual em dignidade. É o ponto de chegada de tantas pequenas e grandes revoluções, irrenunciável, sob pena da perda de identidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é o marco do qual não se pode voltar atrás. O fato de a mulher não ter os mesmos direitos do homem e igualdade de acesso social é algo que não pode existir no nosso tempo, pertence a outra civilização. Esse é o paradoxo que me atormenta. Não me importa o fato de que algumas mulheres se tornem sacerdotes – esta não é hoje uma profissão muito cobiçada –, mas não posso aceitar a proibição que pressupõe um princípio de desigualdade.
A Igreja pela qual gastei as energias da minha vida e pela qual renunciei a amar uma mulher não é capaz de pensar a fé em relação ao nosso tempo e permanece ligada aos esquemas já fixados pela Idade Média e agora tem medo da própria sombra.
Nesse ponto, a questão do sacerdócio da mulher põe em discussão as próprias estruturas da Igreja ligadas ao seu percurso histórico.
Abordei essa perspectiva no livro Donna sacerdote? Ma con quale chiesa?[Mulher sacerdote? Mas com qual Igreja?] (Trapani: Il Pozzo di Giacobbe, 2017).
Eminência (embora Ele tenha dito: “Quanto a vocês, nunca se deixem chamar mestre (…) todos vocês são irmãos”, outra coisa é a tradição ininterrupta), eminência, se esse é um dogma de fé, e as dúvidas não são admitidas, posso me calar, mas não me peça para prostituir a razão, nem para humilhar a fé entre os preconceitos e os tabus que dominaram durante toda a Idade Média em diante. Deixe-me sofrer em silêncio, oprimido pelo coro de dóceis repetidores.
Fonte: Cebs do Brasil